Tim Vickery: A religiosidade brasileira muitas vezes é fé de conveniência

Crédito, Eduardo Martino
- Author, Tim Vickery
- Role, Colunista da BBC Brasil*
Estou sozinho agora na casa da minha mãe, nos arredores de Londres, porque ela foi à igreja - ela faz parte de uma minoria da sociedade britânica, de talvez 5%, que ainda tem o hábito de ir ao culto.
E essa fatia minúscula não é de fanáticos. Uma vez, numa visita anterior, eu (que não tenho nenhum sentimento religioso) comentei que não consigo ver a ligação entre a morte de Jesus Cristo e nossos pecados.
"Estranho", respondeu a minha mãe. "O meu pastor falou exatamente a mesma coisa na semana passada."
Trata-se de uma doutrina fundamental de qualquer religião cristã, mas até um empregado da Igreja Anglicana não acredita nele. A igreja dele tem pouco a ver com religião, mais a ver com uma missão vaga de ser "um bom sujeito".
Tudo isso, claro, nada mais é do que uma consequência do recuo da fé cega a partir do Iluminismo, no século 16, e a descoberta de que a Terra gira ao redor do Sol. Por que acreditar naqueles que afirmavam o contrário?
Uma pesquisa recente aponta que somente 28% da população britânica acredita em Deus ou em qualquer poder espiritual, ante 38% totalmente sem tal fé. Me lembra bem a minha época na escola, quando uma sessão de zombaria da professora sempre começava com a pergunta "Senhora, você acredita em Deus?"
Como a situação é diferente nas Américas! Nos Estados Unidos, por volta de 60% da população vai para a igreja. E, no Brasil, não acreditar em Deus é inconcebível para muitos.
As minhas enteadas ficavam tão fascinadas com o assunto que cada vez que alguém me visitava da Inglaterra isso sempre era a primeira pergunta que tinha que traduzir.

Uma vez a resposta a respeito de religiosidade foi "Não, não tenho nenhuma tolerância para superstições medievais", frase que foi um desafio e tanto para suas mentes então pré-adolescentes.
Mas - e estou ciente de estar entrando em uma generalização vasta e vulgar - se a crença na existência de Deus é quase total no Brasil, a fé, em muitos casos, parece bastante rasa.
Quando vejo políticos corruptos dando benção para dinheiro ilegal, ou jogadores de futebol louvando depois de cavar um pênalti, fico com a sensação de que a religiosidade brasileira, com frequência, trata-se de uma fé de conveniência.
É menos um código que determina como viver a vida e mais um recurso que se pega ou se larga conforme as circunstâncias.
Pode ser que seja uma extensão da tara brasileira por parentesco fictício. A figura do pai ausente é muito importante numa terra de padrinhos, onde o personagem político de mais destaque na formação do país, Getúlio Vargas, cultivava um tipo de fascismo benigno do tio universal.
É bastante factível que vários brasileiros imaginem Deus como uma espécie de Vargas celestial, bonzinho e indulgente.
Vargas também desempenhou um papel importante no desenvolvimento da religião no Brasil, e não me refiro à aproximação com a Igreja Católica que leva à estátua do Cristo Redentor no Rio de Janeiro. Muito mais importante é a urbanização do país que ele promoveu.
O interessante aqui é que, no exemplo inglês, o crescimento das cidades foi um fator significativo no declínio da religião.

Crédito, Getty Images
No caso da minha mãe, por exemplo, ela é uma mulher do interior que cresceu com o hábito de ir à igreja e nunca o perdeu. Mas não é de hoje que as igrejas nas cidades vivem vazias - na verdade, nunca encheram. A mudança para uma vida urbana acabou cortando a prática de ir à igreja.
No Brasil, entretanto, o que mais se vê na periferia das cidades são igrejas - só que nesse caso a Igreja Católica tradicional perdeu, mas as evangélicas novas ganharam espaço.
E seu público, em grande parte, são os migrantes internos, que trocaram a vida do campo pelas oportunidades da cidade grande - e também as suas complexidades, problemas a ameaças.
Nesse ambiente novo, complexo e confuso, as igrejas evangélicas não somente oferecem o conforto espiritual da fé, mas também uma rede de apoio social.
Nesse cenário, não é somente a ausência da figura paternal que impulsionou o crescimento da religião, mas também a ausência do Estado.
*Tim Vickery é colunista da BBC Brasil e formado em História e Política pela Universidade de Warwick.
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