|
Arábicas: Refugiados sudaneses fazem greve de fome no Cairo | |||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Centenas de sudaneses que vivem no Egito estão há quase dois meses e meio acampados em uma praça perto do escritório das Nações Unidas, no Cairo. Eles exigem o que consideram seus direitos como refugiados. Desde o último sábado, os manifestantes, em número que flutua de poucas centenas a mais de mil, dependendo do dia e da hora, se declararam em greve de fome. A lista de exigências, reclamações e pontos de vista deles é longa, mas pode ser resumida em três itens principais: eles rejeitam qualquer idéia de volta ao Sudão e também resistem a permanecer em definitivo no Egito. Querem que a Agência das Nações Unidas para Refugiados avalie os casos de todos com vistas à possível emigração para um terceiro país (em geral eles querem Estados Unidos, Canadá ou Austrália). E se queixam de abusos e maus-tratos dos quais não estariam sendo protegidos. A ONU diz que está preocupada com diversas das questões levantadas pelos refugiados, mas afirma que seu raio de ação é muito limitado. Do ponto de vista legal, o argumento das Nações Unidas tem consistência: depois da assinatura do tratado de paz no Sudão e da relativa pacificação de regiões do país, a classificação de “refugiados” não pode mais ser automaticamente aplicada aos sudaneses, com base na lei internacional. Mas como tirar a razão de reclamar de quem tem pavorosas histórias de sofrimento para contar (torturas, prisões, expulsões e morte de parentes, para ficar no dia-a-dia) e agora teme pela vida se voltar para casa? Paz É verdade que um tratado de paz foi assinado no Sudão e que ele está sendo respeitado em partes do país. Mas o país continua destruído depois de 21 anos de um guerra civil que passou a maior parte do tempo ignorada pelo Ocidente.
Principalmente no sul do país, de onde vem a maioria dos refugiados que estão atualmente no Cairo, já não há mais combates ou perseguições em massa acontecendo, segundo relatos vindos da região nos últimos meses. Tampouco há, no entanto, qualquer infra-estrutura física ou social funcionando para atender quem ficou lá ou os refugiados que decidirem voltar para casa. O risco para a segurança e a dignidade dessas pessoas, seja por doenças, fome, violência ou a simples falta absoluta de perspectivas, é inegável. Mas (talvez infelizmente) não pode mais ser comprovada ao olhos da lei internacional. Desemprego e pobreza Os refugiados sudaneses que vivem no Egito são, quase todos, muito pobres. Diversos daqueles que participam do protesto na praça Mustafa Mahmoud, em frente a uma das mais importantes mesquitas do Cairo, não teriam outro lugar para dormir, de qualquer maneira. Muitos vivem em cortiços lotados nos bairros mais carentes do Cairo, onde têm que competir pelos raros empregos com egípcios pobres, que vivem em condições bastante semelhantes. Antigo acordos entre o Egito e o Sudão, dois países que sempre tiveram uma ligação histórica, dão, na verdade, um status favorecido aos sudaneses na comparação com outros estrangeiros.
Os sudaneses têm direito a educação e saúde gratuitas, a trabalhar legalmente e a receber qualquer assistência do Estado destinada à população local. O problema é que para todos os pobres por aqui, egípcios ou não, educação, saúde, emprego e assistência do Estado são coisas raras. Do fogo para a frigideira Um vez conheci um refugiado da guerra de Angola que vivia na favela do Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro. Quando visitei a sua casa, foi difícil imaginar que ele estivesse em condições piores em seu país natal: o barraco de madeira não tinha nada dentro, e o cheiro do esgoto a céu aberto passando do lado era nauseante. Para piorar a situação, declarações descuidadas da Secretária de Segurança do Rio tinham criado a impressão de que havia uma máfia angolana ajudando a criminalidade carioca com treinamento paramilitar. A acusação nunca foi provada, mas bastou para inflar o preconceito contra os refugiados de Angola. Perguntei para que sair do próprio país e vir morar do outro lado do Atlântico desse jeito: “Pelo menos aqui não tem guerra. Eu não tenho nada, mas ainda posso sonhar com alguma coisa. Lá em Angola, não dá mais nem para sonhar com o futuro”, foi a resposta. Esperança Os refugiados sudaneses aqui no Egito estão, talvez, em situação semelhante aos angolanos que desembarcaram no Brasil. Eles saíram de terras devastadas para cair em lugares também cheios de problemas, mas onde a perspectiva de uma sobrevivência digna ainda pode estar a vista, mesmo que distante e através de um denso nevoeiro. Os argumentos das Nações Unidas sobre obrigações legais em relação aos refugiados são reais, mas nenhum deles elimina a realidade de que os refugiados estão em uma situação crítica. Pode-se argumentar que parte da culpa por isso vem do modo como o mundo tratou a África nos últimos séculos. Talvez não haja uma obrigação legal, mas ajudar essas pessoas a conseguir uma vida digna pode facilmente figurar na lista de obrigações morais das Nações Unidas. | NOTÍCIAS RELACIONADAS Eleições devem revelar força islâmica no Egito09 novembro, 2005 | BBC Report Arábicas: Violência afasta turistas israelenses do Sinai03 novembro, 2005 | BBC Report Arábicas: Palestino luta para conseguir fazer mestrado12 outubro, 2005 | BBC Report Arábicas: Ramadã altera rotina no mundo islâmico06 outubro, 2005 | BBC Report Arábicas: as boas relações de beduínos e israelenses28 setembro, 2005 | BBC Report | |||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
| ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||