27 de outubro, 2006 - 11h47 GMT (08h47 Brasília)
Anelise Infante
De Madri
Em dois anos, o número de prostitutas brasileiras detidas na Espanha aumentou 80%, passando de 3.332 em 2003 para 6.015 em 2005, segundo dados do Ministério do Interior espanhol.
A maioria – presa por estar ilegalmente no país e trazida por quadrilhas especializadas em atrair mulheres com falsas promessas de emprego – acaba sendo deportada.
Só no ano passado, a polícia deteve 20.284 mulheres na Espanha, a maioria, de acordo com a polícia, é vítima de prostituição forçada.
Desse total, 98,77% eram estrangeiras, um grupo no qual quase uma em cada três (30%) vem do Brasil. Em 2003, elas representavam 17% do total.
Promessas falsas
Para a polícia espanhola, esse aumento, nos últimos dois anos, coincide com a maior atuação das quadrilhas de tráfico de seres humanos no Brasil a partir de 2003.
Segundo organizações de apoio a vítimas da prostituição no país, as brasileiras são as preferidas das redes ilegais.
De acordo com a Associação para Prevenção, Reintegração e Atenção à Mulher Prostituída (APRAMP), as vítimas são atraídas com ofertas para trabalhar como garçonetes, empregadas domésticas ou mesmo modelos.
Segundo a associação, apenas 5% das pessoas traficadas sabem que serão prostitutas na Espanha. A polícia define as demais como vítimas de tráfico de seres humanos.
As mulheres recebem passagens aéreas e dinheiro para tentar convencer a polícia no aeroporto de que elas têm recursos para se sustentar no país. Mas, já ao desembarcar, são informadas das novas condições do emprego.
Levadas a bordéis, elas têm seus passaportes retidos e ficam sabendo que têm uma dívida com a organização, que deve ser paga através da prostituição.
"Em alguns casos, elas são forçadas a usar drogas para ficarem alertas e disponíveis 24 horas ou porque o cliente exige o consumo de entorpecentes com o serviço sexual", disse Rocio Moreno, diretora da APRAMP.
A prostituição na Espanha não é crime, mas a lei prevê punição de dois a quatro anos para exploração com violência, intimidação e abuso de poder.
Mercado milionário
A Associação Espanhola de Bordéis estima que o consumo diário com a prostituição no país chegue a 50 milhões de euros (cerca de R$ 150 milhões).
Segundo a instituição, os 201 bordéis afiliados trabalham de forma legal, principalmente com mulheres do Brasil, Colômbia, Argentina, Rússia, Bulgária e Polônia.
Os prostíbulos ligados à associação formam um pequeno universo dentro de um total de cerca de 20 mil bordéis na Espanha, segundo a polícia, onde atuam cerca de 700 mil mulheres, entre vítimas de redes de tráfico e prostitutas que trabalham por decisão própria.
A brasileira G.A., de São Paulo, é uma exceção entre as brasileiras. Ela é prostituta "de luxo" em uma mansão madrilenha de terça a domingo durante toda a noite com outras cinco mulheres.
Atendendo a uma clientela que inclui empresários, artistas e atletas, segundo ela, de fama mundial, recebe, em uma noite, o que ganharia em três meses no Brasil.
"Ganho em uma noite (cerca de R$ 3,6 mil) o que ganharia em três meses como secretária no Brasil", comparou a brasileira, acrescentando dizer para a família na capital paulista que trabalha em uma empresa aérea espanhola.
Rota brasileira
O aumento da atuação de redes no Brasil levou a polícia espanhola a buscar cooperação com autoridades brasileiras.
A iniciativa conjunta permitiu desmantelar três quadrilhas neste ano. A maior operação de 2006 terminou com 58 presos, dos que 55 eram brasileiras.
O sociólogo espanhol Jaime Curbert associa o crescimento do tráfico de vítimas do Brasil com a demanda e a organização das redes criminosas.
"As mulheres viraram vítimas de artigos de catálogo como uma marca de cerveja, a gosto do cliente. As brasileiras são as preferidas dos espanhóis, italianos e suíços; os alemães escolhem venezuelanas", afirmou.
"O pior é que a mulher dá mais lucro do que as drogas, porque essas só são vendidas uma vez. A mulher é revendida até morrer, enlouquecer ou se suicidar."