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26 de julho, 2006 - 16h04 GMT (13h04 Brasília)

Diego Toledo
de São Paulo

Para economista, Brasil está fadado a insistir na OMC

Apesar do fracasso nas negociações da Rodada Doha da OMC (Organização Mundial do Comércio), o economista Luciano Coutinho avalia que o Brasil está condenado a insistir na busca de um acordo multilateral de liberalização do comércio.

Em entrevista à BBC Brasil, o consultor e professor da Unicamp afirma que os maiores benefícios que o país pode obter nas negociações internacionais só podem ser alcançados por meio de uma mudança global das regras comerciais.

Na opinião de Coutinho, o Brasil pode até investir em acordos bilaterais, mas essas negociações não seriam suficientes para oferecer resultados tão significativos quanto um acordo na OMC.

Leia abaixo a entrevista com o economista:

BBC Brasil - Diante da falta de acordos bilaterais significativos, o senhor concorda com a avaliação de que o Brasil é o maior perdedor com a suspensão das negociações da Rodada Doha da OMC?

Luciano Coutinho – É difícil dizer se o Brasil é o maior perdedor, mas o fato é o seguinte: as negociações bilaterais infelizmente não podem oferecer ganhos muito substanciais para o Brasil.

O Brasil tem um setor agrícola extremamente competitivo e todos os ganhos de fato expressivos para o país só se concretizam se os mercados nos países desenvolvidos puderem ser abertos ou se os subsídios dados à agricultura nesses países puderem ser suavizados.

Por ser um global player e por ser um país que tem um comércio forte com a Europa e com os Estados Unidos, o Brasil está condenado a negociar com os dois lados. E o nosso principal ganho depende de que os dois lados se acertem.

É um jogo complicado, mas me parece que é uma opção inescapável para o Brasil continuar insistindo na agenda multilateral.

Isso não significa que, em uma agenda bilateral, o Brasil não possa ganhar alguma coisa. Ele pode ganhar alguma coisa, mas ele pode queimar cartuchos na agenda bilateral para ganhar muito pouco.

É uma agenda que tem, digamos, uma cenoura pequena. E é uma agenda complicada, uma vez que vários dos temas principais de interesse do Brasil só se resolvem com um entendimento multilateral.

BBC Brasil – A falta de “vontade política”, como sugeriu o ministro Celso Amorim, foi mesmo o maior obstáculo para avanços na Rodada Doha?

Coutinho – Mais do que falta de vontade política, é uma questão de falta de condições políticas para fazer concessões um pouco mais incisivas.

De um lado, é difícil para o governo americano mexer em seus subsídios por conta da conjuntura pré-eleitoral no Congresso americano.

De outro lado, há também a dificuldade da União Européia em se mover em termos de concessões um pouco mais incisivas no que diz respeito à proteção tarifária.

BBC Brasil – Será que ainda é realmente possível salvar a Rodada Doha?

Coutinho - É preciso ter paciência, buscar momentos mais propícios. Eu prefiro pensar que a Rodada Doha não morreu e que ela está hibernando em busca de uma oportunidade mais propícia.

Qualquer que seja o caminho, é claro que o Brasil deve perseguir simultaneamente as conversas bilaterais, mas é inescapável, para os interesses estruturais do comércio brasileiro, um enfrentamento amplo da agenda multilateral.

Mais cedo ou mais tarde, nós vamos ter que, junto com outros países em desenvolvimento, retomar a iniciativa de propor a revisão das regras multilaterais. E não é só no comércio de produtos agrícolas. Nos interessa reexaminar regras antidumping e regras de salvaguardas, que muitas vezes são abusivamente manejadas pelos países desenvolvidos.

BBC Brasil – O fracasso nas negociações da Rodada Doha vai intensificar as disputas comerciais na OMC?

Coutinho - Não necessariamente. A intensificação das disputas depende da capacidade dos países em desenvolvimento comprovarem o dano, comprovarem o uso abusivo de subsídios.

O Brasil tem conseguido vitórias importantes na OMC nos últimos tempos. Espero que, com habilidade e competência, o setor privado e a diplomacia brasileira persistam obtendo essas vitórias e, mais do que isso, obrigando a OMC a forçar principalmente as economias mais desenvolvidas a cumprirem as decisões da própria OMC.

BBC Brasil – Como o senhor avalia a retórica do G-20 de que, para os países em desenvolvimento, é melhor não ter um acordo na OMC do que ter um acordo ruim?

Coutinho - É difícil avaliar isso sem ter estado na mesa de negociações para saber exatamente o que estava sendo proposto. Mas, em geral, fazer concessões para obter muito pouco pode ser, às vezes, um mau negócio. E, às vezes, esperar um pouco para obter mais pode, em longo prazo, se revelar mais sensato.