01 de março, 2006 - 09h50 GMT (06h50 Brasília)
Caio Blinder
de Nova York
Na sua viagem à Índia esta semana, o presidente americano George W. Bush não deve visitar o Taj Mahal, mas não faltam maravilhas no relacionamento entre a democracia mais poderosa do mundo e a mais populosa, que estiveram tão afastadas durante a Guerra Fria, quando Washington considerava Nova Déli um peão de manobra dos adversários soviéticos, enquanto os indianos se arrogavam campeões do não-alinhamento num mundo de dois blocos.
No governo Bush a aproximação entre os dois países se acelerou, em grande parte graças ao novo cenário global armado com os atentados de 11 de setembro de 2001.
A rigor a aproximação entre Washington e Nova Déli é um grande (e discreto) triunfo de reengenharia geopolítica, pois foi acompanhada do estreitamento dos laços dos EUA com o Paquistão, arqui-rival da Índia e país igualmente alçado à condição de subpotência nuclear.
Com o precário e dúbio regime de Pervez Musharraf (que, obviamente, será a escala seguinte da viagem de Bush) existe a necessidade urgente dos americanos de tê-lo como aliado na chamada guerra contra o terror e garantir que armas nucleares não caiam em mãos indevidas.
Com a Índia mais estável e mais promissora existem necessidades e interesses mais abrangentes e a longo prazo.
É uma parceria estratégica tão importante que Bush e o primeiro-ministro Manmohan Singh arriscaram em julho passado esboçar um acordo nuclear de difícil aceitação para setores tanto na Índia, como no Congresso americano.
Questão espinhosa
Basta ver as dificuldades dos últimos dias para amarrar os detalhes do negócio.
Por este acordo, Bush topou vender tecnologia nuclear para uso civil a um país que nunca assinou o Tratado de Não-Proliferação Nuclear e que por três décadas foi visto como um pária por desenvolver um programa militar no setor.
Sem planos de oferecer algo semelhante ao Paquistão, a Casa Branca calcula que a Índia emergente deva ser tratada com maturidade e receber legitimidade nuclear, ao abrir seu programa civil ao monitoramento internacional.
De imediato é a questão espinhosa de definir o que é civil e o que é militar no programa nuclear indiano.
Mas claro que se trata também de mais um ato de malabarismo geopolítico.
O desafio mais amplo, na expressão do The Wall Street Journal, é convencer a comunidade internacional a perdoar os pecados nucleares de um país sem estimular outros a cometê-los.
E a lista é inquietante, começando pelo Irã e Coréia do Norte.
Embora o polêmico acordo nuclear seja uma boa medida do quanto Bush está investindo na parceria estratégica, não é possível dizer que no horizonte esteja um alinhamento automático entre os dois países.
Do lado indiano, muito mudou desde que o ex-presidente Bill Clinton fez uma visita igualmente histórica a Nova Déli há seis anos.
Com sua democracia tumultuada e mudanças sociais vertiginosas, a Índia está empenhada em competir com a China para ver qual é o país que mais cresce no mundo.
Dois em cada três habitantes ainda vivem com menos de US$ 1 por dia, mas outros 300 milhões já são definidos como consumidores de classe média.
Pelas projeções do banco de investimentos Goldman Sachs, a Índia será a terceira economia mundial em 2040, vindo atrás da China e dos EUA.
Triangulação
A triangulação entre o império americano e as duas potências asiáticas poderá dar o tom geopolítico mundial já nesta primeira metade do século 21.
Há uma visão apressada segundo a qual o interesse básico dos americanos é cortejar os indianos para que sejam um contrapeso aos chineses.
Mas entre estes atores existem relações complicadas de cooperação e competição.
Um exemplo muito ilustrativo: em breve a Índia deverá superar os EUA como o principal parceiro comercial da China.
E a idéia de um agressivo bloco antichinês só tende a trazer instabilidade na região, o que tampouco interessa aos americanos.
Na região existe um jogo difuso, onde muitas vezes é difícil definir quem é parceiro e quem é adversário.
Mesmo com seu arqui-rival Paquistão, a Índia é capaz de lances surpreendentes.
Sequiosos por energia, os indianos têm discutido um projeto para construir um gasoduto que traga gás do Irã através de perigosas partes do Paquistão.
Alianças podem ser costuradas ou rasgadas, mas o figurino de fato exige grandes e arriscados investimentos geopolíticos de Bush na Índia.