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06 de fevereiro, 2006 - 16h28 GMT (14h28 Brasília)

Caio Blinder
de Nova York

EUA tentam conter fogo em polêmica de charges de Maomé

Em meio a incêndios de sedes diplomáticas e queima de bandeiras de países escandinavos, a última coisa que interessa aos EUA é colocar mais lenha na fogueira na controvérsia deflagrada pela publicação de charges do profeta Maomé no jornal dinamarquês Jyllands-Posten.

Para o governo Bush não serve de consolo que desta vez ele não seja o alvo preferencial de ressentimento islâmico. Afinal, o fogo pode se alastrar rapidamente por todas as partes.

A reação oficial de Washington seguiu a linha de governos europeus. A publicação das caricaturas foi uma iniciativa irresponsável e insensível, mas o direito de livre expressão é sagrado.

A imprensa americana foi igualmente cautelosa. Poucos jornais e redes de televisão ousaram republicar as charges em um gesto de solidariedade ao diário dinamarquês.

Também há muita cautela nos EUA para não colocar abertamente a controvérsia sobre as caricaturas de Maomé em um contexto de choque de civilizações, mas comentaristas são insistentes no recado de que os muçulmanos devem aceitar os padrões ocidentais de livre expressão e pagar o preço da modernidade.

Responsabilidades

A preferência na mídia americana tem sido para contar e não retratar a controvérsia, sempre lembrando a hipocrisia de governos árabes que se dizem indignados com a blasfêmia ocidental, mas que nunca censuram material anti-semita ou anticristão publicado em uma imprensa controlada.

Mas com a escalada de protestos violentos existe agora um maior empenho oficial e na imprensa dos EUA para apontar responsabilidades.

O foco neste começo de semana se transferiu do gesto de um obscuro jornal de Copenhague para uma possível orquestração de manifestações no Oriente Médio.

Existem suspeitas sobre a dimensão dos protestos no fim de semana em Damasco e Beirute.

Washington acusou diretamente o governo sírio de não ter oferecido a devida proteção a missões diplomáticas.

No caso de Damasco, as manifestações islâmicas aconteceram em um país dominado por um regime implacável para reprimir a oposição e mais do que conhecido por seu caráter secular.

Tensões geoculturais

Os protestos no Egito também chamaram a atenção porque aconteceram semanas depois do avanço de fundamentalistas islâmicos em eleições parlamentares.

Para o governo Mubarak, é um bom momento para apregoar credenciais religiosas e permitir que as tensões sejam canalizadas contra o reino da Dinamarca e outras paragens nórdicas.

A escalada de tensões geoculturais claro que tem implicações geopolíticas.

A controvérsia das caricaturas acontece quando os EUA e a União Européia estão às voltas com duas questões espinhosas: como punir o Irã por suas ambições nucleares e o que fazer com o Hamas, o grupo radical palestino agora com legitimidade eleitoral?

Washington não quer colocar lenha na fogueira cultural e política, mas faz uma avaliação explosiva: o alastramento das chamas beneficia uma linha dura islâmica que quer ver Roma, Copenhague e o resto do Ocidente pegar fogo.