22 de outubro, 2004 - 12h11 GMT (09h11 Brasília)
Caio Blinder
de Nova York
Mais um ano do Nobel de Literatura sem a premiação de Philip Roth. Mais um ano de um grande romance de um dos monstros sagrados da literatura americana, vibrante aos 71 anos de idade.
Na trilha de suas últimas obras, Roth escreveu um romance histórico. Bem, é mais complicado. É uma mescla de autobiografia, história e especulação que questiona um tema constante da vida americana: não pode acontecer aqui.
Este é um país excepcional. Para ser mais preciso, diferente. O fascismo que brotou na Europa não teve e não terá como florescer na América democrática.
Na ficção do septuagenário escritor Philip Roth, nascido em uma família judaica de classe média baixa em Newark, New Jersey, nós temos o personagem Philip Roth, um garoto que vive em Newark, New Jersey, no começo dos anos 40. O livro é uma falsa memória, mas antes vamos a alguns fatos genuínos.
Em 1940, quando a Grã-Bretanha estava sob ataque nazista, os Estados Unidos ainda não tinham entrado na guerra e havia um forte sentimento isolacionista no país.
Franklin Roosevelt obteve um sem precedente terceiro mandato nas urnas. No governo, ele manteve o apoio discreto e sistemático a Winston Churchill. Com o ataque japonês contra Pearl Harbor, a neutralidade pública americana também foi a pique
Esta é a história. Mas não é assim que ela transcorre no romance de Roth. Em 1940, o herói aviador Charles Lindbergh enfrenta Roosevelt nas eleições. Na vida real, até a entrada dos Estados Unidos na guerra, o homem do primeiro vôo transatlântico era isolacionista, anti-semita e não considerava Hitler um demônio.
No livro, com base em textos e declarações genuínas, Lindbergh argumenta que a pressão para os americanos entrarem na guerra partia de três frentes: Roosevelt, os britânicos e os judeus.
Lindbergh derrota Roosevelt nas urnas. A inspiração para Roth foi a autobiografia do venerado historiador Arthur Schlesinger.
Em um sentença há uma menção ao desejo da ala mais direitista do Partido Republicano para que Lindbergh disputasse a Casa Branca. Apenas uma linha. Mas foi suficiente para suscitar a imaginação do sempre travesso Philip Roth. E se Lindbergh tivesse concorrido? E se ele tivesse triunfado?
Os leitores saíram ganhando com a diatribe do escritor. Após assumir o poder, Lindbergh negocia um pacto de entendimento com os nazistas. Aceita o domínio dos alemães na Europa desde que eles não se metessem com os americanos.
A primeira iniciativa doméstica de Lindbergh é a criação do Escritório de Absorção Americana, para incorporar judeus e outras minorias à vida do país. Famílias de guetos urbanos como Newark são removidas para o interior. Acompanhamos a saga através do pequeno Philip.
Nas resenhas do livro de Roth são traçados paralelos com os dias de hoje do governo Bush. Afinal, muitos americanos são seduzidos por slogans simplistas e justificativas para coibir as liberdades civis.
Mas Roth é mais sutil. É verdade que em uma entrevista ele disse que Bush não está qualificado para administrar uma loja de ferragens, quanto mais um país. O escritor, no entanto, rechaça os paralelos simplistas. Daria um caráter fugaz ao seu grande romance, cujo tema instigante é um "medo perpétuo".
Curiosamente, há um tom otimista no livro. Roth trata com um certo afeto a frágil grandeza americana. Poderia ter acontecido, mas não aconteceu, pelo menos até agora.
THE PLOT AGAINST AMERICA, Philip Roth, Hougton Mifflin, 391 páginas, US$ 26.