Importantes entidades não-governamentais americanas de controle de armas disseram que a resistência do Brasil a inspeções irrestritas da comunidade internacional em suas instalações nucleares é um "mau exemplo" para outros países, como o Irã.
No domingo, o jornal The Washington Post disse que o país estaria resistindo a inspeções na unidade de enriquecimento de urânio que está sendo montada em Rezende, no Estado do Rio de Janeiro.
Em entrevista à BBC Brasil, o ministro de Ciência e Tecnologia, Eduardo Campos, afirmou que o Brasil está cooperando com a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), mas admitiu que há uma "tela de proteção" sob a qual o país não quer que os inspetores olhem.
"Se o Brasil decidiu que quer desenvolver tecnologia nuclear, é essencial que a comunidade internacional possa saber como isto está sendo feito. Senão, podemos começar a ouvir gente argumentando: se o Brasil pode, por que o Irã ou o Japão não podem?", disse John Cirincione, diretor do Projeto de Não-Proliferação do Carnegie Endowment for International Peace, uma das principais organizações pacifistas não-governamentais dos Estados Unidos.
"Está ficando cada vez mais claro que não podemos permitir que este tipo de tecnologia (de enriquecimento de urânio) se espalhe pelo mundo. Com o atual risco que corremos com a proliferação, o argumento de que há necessidade de se proteger informação sensível não tem validade", afirmou Cirincione.
"Salame"
John Cirincione reconheceu que a Constituição do Brasil proíbe o desenvolvimento ou a posse de armas nucleares, mas afirmou que os governos podem contornar legalmente estas limitações usando o que ele chama de "estratégia do salame"
"Um governo pode ir tirando fatias da tecnologia que aproximem o país de armas nucleares sem necessariamente caracterizar o desenvolvimento de armamentos. No longo prazo, o país teria condições de decidir rapidamente sobre a necessidade de produzir estas armas", disse o especialista ressalvando, no entanto, que não se referia especificamente ao caso do Brasil.
"Não sei se o Brasil tem intenção de produzir armamentos nucleares. Mas certamente autoridades brasileiras vêm enviando nos últimos tempos mensagens perturbadoras de que esta é uma opção que não pode ser descartada no longo prazo."
Cirincione questiona não só a resistência do Brasil a inspeções, mas a própria intenção do país de aperfeiçoar seus procedimentos de enriquecimento de urânio.
"Não há nenhuma razão econômica razoável para o Brasil produzir seu próprio urânio enriquecido, e não podemos mais ter no mundo países buscando tecnologias com o fim de obter status na ordem mundial. O governo dos Estados Unidos está combatendo a proliferação, mas também enviou uma mensagem errada, quando reconheceu a Índia e o Paquistão como potências nucleares", avaliou.
Suprimento
John Cirincione disse que os Estados Unidos têm de liderar a discussão sobre um método para suprir o Brasil e outros países com necessidades de urânio para produção de energia, sem que estas nações tenham de fazer o processamento do material em suas próprias unidades.
O especialista avalia que, no caso do Brasil, uma negociação eficiente, mostrando ao país as vantagens de renunciar ao beneficiamento de urânio, deve ser o caminho.
"Os Estados Unidos não podem simplesmente dizer ao Brasil que pare com suas pesquisas, mas precisa ajudar a criar um pacote de condições que seja atraente para o governo brasileiro", disse o especialista.
O diretor de pesquisas da Associação de Controle de Armamentos, outro importante centro de estudos de Washington, Wade Boesie, defende a idéia apresentada pelo diretor da AIEA, Mohamed El-Baradei de "internacionalização" da produção de urânio enriquecido.
Boesie também disse que a intenção do Brasil de desenvolver sua capacidade de enriquecer urânio e a resistência do país a inspeções já são assuntos "que separadamente despertam preocupações na comunidade internacional".
Elementos "perturbadores"
"Juntos estes dois elementos se tornam muito perturbadores. Se o Brasil quer ser visto e respeitado como um país detentor de tecnologia nuclear responsável, o governo tem de aceitar inspeções da comunidade internacional. Resistir a elas seria um mau exemplo", disse o pesquisador.
"Acho que, com a atual situação do risco de proliferação de armas no mundo, nenhum país tem o direito de recusar inspeções."
Boesie disse ainda que os países precisam abandonar a idéia de que poderio nuclear é uma chave para se exercer influência no mundo.
"Veja o caso da Rússia, que ainda tem hoje um enorme poderio nuclear e militar mas, economicamente, está em uma situação muito frágil."