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Ivan Lessa: Golpe foi chato antes, durante e depois | |||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Foi chato. Foi chato antes. Foi chato durante. Foi chato depois. O golpe militar de 1964. Não há motivo para se chamar de revolução ou contra-revolução. Foi golpe. E golpe baixo e chato. Antes, já manquitolava o governo do inepto João, vulgo “Jango”, Goulart. Era um governo chato. Se você tivesse menos de 30 anos e estivesse interessado em, como é normal, apenas seguir sua vida, tudo aquilo, toda aquela deblateração política, era chato, muito chato. O aroma inconfundível da incompetência aliada à burrice e somada à má fé perpassava todas as manhãs azuis de sol, sal, sul e as outras bossas-novas da época. Impossível fugir da política, como impossível fugir do bêbado no bar. O objetivo da política é deixar as pessoas em paz. Não dava. A política ia atrás da gente como um maluco armado de pau. Logo, logo, literalmente. Todos os jornais foram a favor do golpe. Só se mexeram quando neles baixou a censura, que acabou virando certificado de bons antecedentes. A censura era uma espécie de condecoração militar ao contrário. Ostentava-se óbvia driblação como coronel explicando medalha. Para azar meu, o único jornal contra o golpe foi Última Hora, onde um grande amigo lá escrevia, com muito entusiasmo e pouca repercussão. No 1º de abril, passou em casa, pediu para ajudá-lo a se desvencilhar da biblioteca marxista. Lá fomos nós, no meu carro, à noite, distribuindo literatura comunista para a relva do aterro do Flamengo. Nada adiantou eu argumentar que seria muito pior se fossemos presos com toda aquela subversão (o apodo ainda não se popularizara) no meu Mercury. O resto, confundo tudo, não fosse eu bom brasileiro. Lembro das coisas – do dia a dia – vagamente. As pessoas que continuaram no país adotaram ares misteriosos de quem “estava por dentro”. Eram uns chatos. Os que estavam por dentro para valer e partiram para uma pesada, eu não os conhecia. Chato. Agora os fatos sobre o período que vai de 64 a 85 começam a surgir em forma de livro, filme, documentário, até o raio da telenovela. Discute-se uma discussão chata, triste e enganadora. Anos de chumbo? Anos de bosta, isto sim. Novos codinomes foram encontrados para aqueles milicos todos. Sacerdote, Feiticeiro. Carniceiro e Açougueiro não foram lembrados. Derramou-se mais sangue do que se pensa e se diz. E foi muito, mas muito mais chato, do que lembram e registram. Uma chatice que fez escola e – será que não perceberam? – continua. |
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