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Londres se reinventa
“Quando alguém cansa-se de Londres, cansa-se da vida. Porque há em Londres tudo o que a vida tem a oferecer”. Exagero, dirão os apressados, sem se darem conta de que o autor da frase, o escritor e lexicógrafo inglês Samuel Johnson, fazia em sua citação uma espécie de declaração de amor na qual está embutida a aceitação das imperfeições, assim como das qualidades, da amada. Mais de dois séculos depois, as palavras registradas por Dr. Johnson ainda traduzem com fidelidade a capital britânica. Londres continua múltipla. O trânsito continua infernal (apesar da introdução do pedágio urbano, que reduziu o volume de carros nas ruas centrais), o centro da cidade é poluído, os mendigos que assolam as áreas de concentração turística surpreendem o visitante que não espera ver este tipo de coisa em um país rico, e os hotéis de preço médio deixam muito a desejar.
Ao mesmo tempo, Londres é a capital européia mais cosmopolita; o terceiro maior centro financeiro do mundo; um dos principais pólos da alta cultura internacional; grande produtora de cultura popular e geradora de modismos. Dona de um caráter singular, exibe a combinação perfeita de tradição e modernidade. Continental e hedonista Como estrangeira nesta terra, sempre me impressionou o cuidado que os nativos têm em preservar sua história e costumes; a tolerância que permite, com raras exceções, a convivência pacífica de sua população multi-étnica e de diferentes inclinações religiosas e sexuais. Igualmente, como eterna turista, aprecio a civilidade e cortesia no trato com o outro. De certa forma, aspectos daquela Londres do século 18, a que inspirou o escritor, ainda podem ser observados pelo visitante: nos monumentos, nos palácios, na presença da realeza, na herança cultural e, por incrível que pareça, até no boom do café society (um hábito que o londrino do século 17 já cultivava). Mas a Londres do século 21 apresenta sinais irrefutáveis de mudança radical. Nos últimos anos, vem se reinventando – como tem feito regularmente em seus 2 mil anos de história. A cidade passou por um processo de continentalização – para o que o Eurotúnel certamente contribuiu. O fenômeno é facilmente observável numa visita ao Soho, onde os cafés e restaurantes agora esparramam-se pela calçada (uma cena rara há 10 anos). Londres, definitivamente, está mais hedonista. Que o diga a rainha do hedonismo, a cantora Madonna, que adotou a capital britânica, onde mora com o marido inglês, o cineasta Guy Richie. A cidade se oferece e Madonna – como os nativos e visitantes em geral – não resiste. Como outras estrelas de Hollywood que andam comprando casa ou se instalando em Londres, entre elas Gwyneth Paltrow e Tom Cruise, ela tem circulado pelas galerias de arte, pubs, clubes e restaurantes – que diz adorar.
Surpreendente? Na busca do londrino pelo prazer, a comida passou a ter papel importante. Come-se bem, sim A velha imagem de que se come mal em Londres é um clichê que já não encontra eco na realidade. Até o ex-prefeito de Nova York Ed Koch apontou Londres como sua cidade favorita. Por que?, surpreendeu-se o repórter que o entrevistava. Pelos teatros e pela diversidade e qualidade de seus restaurantes foi a resposta. São cerca de 6 mil restaurantes com culinárias de mais de 60 países. Só na Charlotte Street, uma simpática ruazinha ao norte da Oxford Street, a um minuto do Soho, contei da última vez: um restaurante vietnamita, vários gregos, indianos (de várias regiões), três ótimos italianos (sem falar da pizzaria), um irlandês, um filipino, um sérvio, uns três franceses e um espanhol – não incluindo aí os pubs, bagel shop e cafés. Mesmo com toda essa oferta, experimente conseguir uma mesa para jantar, na área central da cidade, o West End, nas noites de quinta-feira, sexta e sábado, sem ter feito reserva. É o equivalente a ganhar na loteria. Mas não há risco de passar fome. Milhares - melhor dizendo, milhões - de visitantes deixam Londres de barriga cheia e engordam a economia da cidade, que fatura 1,5 bilhão de libras, por ano, com seus restaurantes.
O poder jovem e gay Enquanto descobrem o prazer de comer, os londrinos redescobrem o cocktail. Proliferam em progressão geométrica os novos bares onde uma freguesia jovem consome litros de martinis e indescritíveis líquidos coloridos. Juventude é uma palavra chave nessa Londres do século 21. Jovem e afluente: este é o retrato de um grupo social – dos 20 aos 30 anos – com dinheiro no bolso e infinita disposição para se divertir. É a geração “.com”, que desponta com o poderoso mercado da Internet, e que junta-se aos yuppies milionários da City – jovens corretores de valores e funcionários de bancos que fazem fortuna no mercado financeiro.
Com tanto poder jovem, não é por acaso que Londres tem a club scene, o cenário de clubes noturnos, mais vibrante do mundo. Outro fator na efervescência da cidade é a força do pink pound, a libra rosa que alimenta a indústria de entretenimento gay. O mercado entendeu que profissionais com dinheiro no bolso e sem filhos para criar formam um poderoso grupo de consumidores que não pode ser ignorado. Uma das primeiras iniciativas do governo trabalhista – que conta com homossexuais assumidos no gabinete – foi “vender” Londres como a capital gay, um dos destinos mais cintilantes da Europa. Apostas no futuro Cerca de 30 milhões de pessoas visitam a capital britânica por ano e gastam aqui 9 bilhões de libras. Os números levaram o Ministério da Cultura (ao qual está subordinada a Secretaria de Turismo) a divisar uma nova estratégia que inclui, entre outras coisas, a melhoria da infraestrutura hoteleira. Mas nem tudo é consumo. Uma das grandes capitais culturais do mundo continua sendo exatamente isto. Na verdade, Londres quer se superar. É o que demonstra o nível de investimento em novos projetos e projetos de modernização: a Tate Gallery, o Museu Britânico, a Royal Opera House, a Ponte do Milênio, o London Eye, a pedestrianização da praça de Trafalgar, para citar alguns.
Com a candidatura da cidade à sede das Olimpíadas de 2012, podem-se esperar novos investimentos em grande escala. Ao eleger um prefeito, Ken Livingstone, em 2000 - o primeiro desde que Margaret Thatcher aboliu a Prefeitura de Londres, em 1986 - a capital britânica faz mais uma aposta no futuro. A torcida é para que, em breve, a cidade receba seus visitantes mais limpa, menos poluída e com um sistema de transporte eficiente. Se o parlamento reformar, como vem sinalizando, a lei que restringe o horário de funcionamento dos pubs e bares, os turistas também agradecerão. Enquanto isso, Londres segue vibrante e múltipla, determinada a ser ainda mais atraente ao olhos do resto do mundo. Fiel ao retrato pintado há dois séculos por Dr. Johnson: uma cidade onde se encontra de tudo que a vida tem a oferecer. |
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